segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O encontro

     O brilho da noite já cortava a minha janela quando bateram em minha porta. Era meu pai. Fazia tempo que eu não o via, fiquei um tanto surpreso. Ele notou meu estado de uma pessoa perdida entre as palavras, cujo resultado é o silêncio. Então ele me deu um leve abraço, pediu licença, avisou-me que estava entrando, sempre com um sorriso confortante no rosto. Apenas consegui dizer - claro, claro, entre! Oras, essa casa, até onde eu saiba, ainda é sua - confesso que não entendi o abraço rápido e o ar de pressa que eu sentia, havia tanto tempo que não nos víamos, imagino que nessas situações um abraço apertado é o antídoto da saudade. Mas, enfim, o que achava impossível aconteceu, eu não precisava tentar entender mais nada. Era hora de ouvir e viver o momento.
- Estou com fome, há anos que não como uma comida de de verdade - disse meu pai.
- Deve ter algo na geladeira, mas se o senhor... - e fui cortado - huuum, esse doce de abacaxi está com uma cara ótima.
- Comprei um ótimo whisky em minha última viagem, ainda está lacrado, mas essa parece uma boa hora para abri-la - ele dá uma gargalhada suave e rápida, tudo que eu queria era agradá-lo, então continuei - como sei que o senhor adora um Glenrothes 1985, irei preparar a primeira dose.
- Não precisa.
- Como não? Faço questão, por favor - eu insisti, achando que ele não queria ser um incomodo.
- Não bebo mais. Nessa nova etapa de minha vida, eu me desvinculei de alguns vícios, enquanto outros - diz ele olhando para o pode de doce de abacaxi.
     Eu gostei de saber que ele não bebia mais, pois esse foi o motivo dele ter saído de casa. Então resolvi  logo mudar de assunto:
- Mas, diga-me, como você está? Por onde andas?
- Hoje, melhor impossível. Mas já me encontrei em péssimas condições, perdido, desolado, depois de minha partida. Consequência do meu vício, claro. E por onde eu ando? Bem, atualmente eu viajo muito, uma maneira que eu encontrei de me ajudar foi ajudar os outros, então vivo por aí, por onde precisam de mim; mas se queres saber onde eu resido, a resposta é: aqui perto, tão perto quanto seu pensamento pode permitir.
- Mas porque só veio agora me visitar, já são 15 anos - sinceramente, eu chorei. Já estava inundando por dentro, meu transbordar foi consequência, não aguentei.
- Quem disse que te abandonei por tanto tempo? Não houve um dia sequer, desde que meu coração me permitiu, que eu não estivesse ao seu lado.
     Abaixei minha cabeça, apoiando-a em minha mão, lágrimas ainda escorriam pelo rosto. Mantive o silêncio, ainda tentava digerir o que ele acabara de me dizer.
- Eu soube que você teve seus altos e baixos após minha ida. Tentei ajudar de acordo com minhas possibilidades. Sei também que você anda meio perdido entre as escolhas a serem feitas em sua vida. Ahh, as dúvidas, não saber bem o que fazer. Terrível, não?
- Eu estou bem, pode não parecer, mas estou.  Hum, altos e baixos todos nós temos, isso faz parte de meu passado. Pelo jeito, do seu também. O que me deixa curioso é como pode você saber sobre isso, algo tão íntimo.
- Tenho amigos que lhe conhecem e se preocupam com você. Quanto a isso, é tudo o que posso dizer. Meu tempo é curto. Vim aqui para que saibas que estou bem e que você não está sozinho. Por mais que você pense que viva na solidão, estás enganado. Todas as noites que olhas o teto de seu quanto, deitado na cama, e sente-se sozinho, saibas que eu estou ao seu lado.
- Eu acredito que sim, meu pai. Mas minha vida anda conturbada, são tantas esquinas e estradas, tantas informações, que me deixam esgotado, e me afastam do mundo. Mesmo sabendo que tudo o que preciso fazer é dar um passo a frente e seguir com perseverança.
- Eu sei, meu filho. Acredite! Tudo irá se encaixar, conforme a vontade de Deus - tocou em meus ombros, acolheu-me em seus braços e preparou-se para a despedida - Agora eu tenho que ir. Mas antes eu quero que saibas que há paixões, que só são paixões, porque vivem em nossos pensamentos, mas um dia você saberá discernir o real valor de tudo que acontece em sua vida.
Então em um último suspiro, ele se foi. E com o sol invadindo as frestas de minha janela, eu acordei.

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