domingo, 11 de maio de 2014

Em um dia de chuva

Nasceu diante a um dia de chuva
Bateu a porta de maneira oportuna
Escondeu o véu assim que me viu
Aos choros e prantos o sol acudiu
Infame escorrer de olhos o da ilustre
De cima a baixo assim que me esculpe
Terno de linho que tu veste amassado
Um semblante gentil de tom afagado
A marca da poeira em seu calçado vil
Adentras meu recinto a fim de estio
Assemelha meu prato a fome que passa
Serve-se de cunha sua refeição escassa
Cobre-se, então, com a noite que chega
Ao canto da sala e um lençol de seda

sexta-feira, 9 de maio de 2014

E por fim

    Foram três abraços: um de educação, outro de carinho e, por fim, um de adeus. Durante esse tempo houve três olhares: um de curiosidade, outro de alegria e, por fim, um de solidão. As palavras trocadas foram muitas, mas apenas três frases marcaram "prazer em te conhecer", "eu o amo" e "hoje, eu preciso ir". De todos o lugares que visitamos, três viraram fotografias em meu pensamento: você sentada na festa do João Carlos, seu sorriso ao receber uma ligação de seus pais e, por fim,  o embarque no trem, com seu olhar de solidão, dizendo que você precisava ir, após tanto eu te pedir para ficar. Eu sei que seu pai tinha falecido, que você tinha que passar um tempo com sua mãe, que você se sentia muito sozinha aqui na cidade grande, longe de todos seus familiares e amigos. Eu sei que você largou seus sonhos por mim, por nós. Eu sei o quanto você sofria de tanto ficar sozinha naquele apartamento, enquanto eu passava o dia no trabalho, você sem amigos, sem perspectiva, sem ninguém. Hoje eu sei que eu não estava ali. Eu sabia também que tudo se resolveria, era passageiro, depois de um tempo você voltaria, até planejava trazer sua mãe contigo. Eu só não sabia, meu Deus, da tragédia que estava por acontecer, que por um descuido humano, esse maldito trem bateria, e o impacto do acidente seria desolador. Eu não sabia que aquele seria nosso último abraço, que seria seu último olhar, que eu ouviria pela última vez as suas palavras, sua voz, e guardaria, por fim, aquela imagem triste do seu embarque, após uma discussão infantil de minha parte. Se eu soubesse, meu Deus, tudo teria sido diferente.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

#Diário de Klauss - Meu primeiro diário (IV)

    Sabendo disso, foi com aperto no coração que minha mãe alçou a bolsa em mim, entregou-me uma sacola com comida suficiente para a viagem, passou a mão em meu cabelo, com um olhar distante e amargurado. Seu filho de três anos estaria ao cuidado de desconhecidos, mesmo sendo soldados confiáveis e de honra indubitável, a companhia de soldados não era das melhores, eram os que mais sofriam ataques durante a estrada, mais comumente, emboscadas tarde da noite quando paravam para descansar. Mas a viagem era apenas de duas noites, Brosch ficava perto da triangular, então o perigo não era tão eminente.
    Minha mãe me informou que tinha se telecomunicado com meu tio, que ele tinha ficado muito feliz com a notícia. Falou, também, a respeito de meus primos, que tinham poucos anos a mais do que eu, falou sobre o local, da beleza, que era um pouco mais calmo em relação a onde morávamos, uma pequena fazenda, com algumas poucas fazendas ao lado e uma taverna muito frequentada por todo tipo de gente. Advertiu-me, claro, para manter distância da taverna. Contou-me poucas histórias do tempo em que ela vivia lá, das encrencas que tinha que apartar quando trabalhava na taverna, das frutas que ela gostava de colher para preparar uma torta e levar aos seus vizinhos. E rapidamente disse que foi lá, na taverna, que conheceu meu pai, em um dia em que ele estava voltando de uma vigilância. Ela falou rapidamente, como se não quisesse prolongar nesse assunto. E por fim ela disse que não sabia, exatamente, quando voltaríamos a morar juntos, já que depois de Mardora, teria que ir para algumas outras zonas de colheitas, mas que sempre mandaria notícias. Saberia ela depois, que passaríamos dez anos distantes.
    Um soldado bate a porta, fala o nome de minha mãe, esperando que ela confirmasse. Em seguida dá algumas explicações do proceder e informa que estaríamos saindo em poucos minutos. Após ele se retirar, minha mãe olha aos quatros cantos da casa para se certificar que não esqueceu nada, dá o último suspiro, segura minha mão de um lado, a mala do outro e caminhamos pela imensa varanda em direção a um amontoado de gente. Ainda lembro do sol alaranjado se pondo. Aquele frio de tarde, que até hoje me traz lembranças. Apesar de ter apenas três anos, eu sabia da significância do momento, ao menos hoje, entendo ao certo que foi um divisor de águas. Hoje eu paro e penso, se caso nada disso acontecesse, eu não me tornaria o que sou hoje, e sou orgulhoso, a um certo ponto, em detrimento de algumas coisas, do que me tornei. Caso eu continuasse em Brosch, eu seguiria o rumo natural, acabaria cuidando de vaca, ou colhendo arroz. Digo isso, também, por não ter tido um pai que me mostrasse a firmeza no pensamento masculino. Não é uma linha direta, por consequência, é apenas uma dedução. Mas percebendo o rumo que tudo tomou, das vivências que tive, das pessoas que entraram em minha vida desses 3 aos 13 anos, da volatilidade de meus pensamentos, da moldura prostrada, gradativamente, devido a tudo que tive nesse período, muito sensível a qualquer ser humano, fez-me enxergar de maneira, por final, abrupta o despertar do meu eu cristalizado em minha alma. Foram momentos memoráveis, aos quais espero poder passar com precisão, aludindo minha percepção do mundo, desenterrada em forma bruta quando criança, e visando ser perfeita ao passar dos anos.
    Chegamos a dois grupos formados na praça. Em imediato, um soldado chega a minha mãe, troca algumas palavras, olha para mim com um sorriso, como se tivesse querendo ganhar minha confiança, por entender o quão árduo é tal momento para uma criança. Minha mãe diz algumas últimas palavras de despedida, o jovem soldado me pega no colo, eu começo a chorar, mas não como se quisesse chamar atenção, não um choro desesperador, mas um choro de tristeza, apenas. Um choro que minha mãe entendeu, um choro que dizia "vá, eu entendo esse nosso destino, é tudo que podemos fazer, menos o choro controlar". Eu vejo o grupo de minha mãe caminhando, a passos curtos e lentos, se perdendo no horizonte, de tempos em tempos ela se volta e acena para mim. Eu não paro de olhar, como se eu quisesse guardar aquele momento para a eternidade. E foi em um enxugar de lágrimas que tudo se foi, ela partiu e eu fiquei.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Libertação

Após tanto esquecer meu viver
Eu acordo desperto e aflorado
Um tanto aceso, vivaz e amado
Em meu ensejo de um novo ser

Caminho em meu conforto
Passo a passo sem esforço
Descalço na brasa quente
Acalora, coração fervente

Arde o fogo da assolação, 
Mormente no peito
Disco de uma nova canção 
Em tom perfeito
Sopro divino nascente
Ao toque do manto
Que abraça e sente 

Chora no âmago
Consolação o amor divino
Ressurge da libertação 
E prolifera o destino
Sopro divino nascente
Ao toque do manto
Que acolhe e sente.

Em memória de René Cambraia.
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