domingo, 24 de março de 2013

Música

     É o que me mantem vivo, e me abriga em seu refúgio alastrado pelos pensamentos. É o que me conduz como um guia em uma longa viagem à desconhecida cidade, sem ancestrais, sem vida, nem ida, quem dirá volta, prendendo-me a sua volta e me mantendo em pé. Forte, alto, ávido de glória, o mastro do meu navio. Intercepta a fuga desvairada, inclina o percurso para mais uma nova jornada. Não desmerece as meretrizes, revitaliza os despreparados, mastiga a dor em meu coração, transforma meu brilho em oração, repugna minha tristeza, prolifera minha natureza, traz as bençãos dos meus irmãos, transforma rios em mares navegáveis, faz de meu ar mais vivo e oferece tudo que preciso. Porque não vivo sem essa canção, não vivo sem essa melancolia, sem esse cantar, um clamar quase divino, uma mensagem sonora quase visível que transcende qualquer tipo de limitação, traduzindo aquilo que se passa em meu coração, todas as emoções, todos meus motivos e razões, das clarezas mais permissíveis, que me permito escutar, pois não vivo sem música, até mesmo sem dançar.




No ar hoje à noite

Resolvi me atirar entre as pedras
Que rebatem contra o mar
Na intenção de revigorar
Os alicerces das passarelas
Que ligam nossos sentidos
Ao cair dessa tarde

E já posso sentir e esperar
O que eu já sabia que aconteceria
Quando a noite começasse a estrelar
Sua roupa rasgaria

Se você se afogar em meus braços
Eu não te salvarei
Apenas me afogarei
Juntos a construir esses laços
Contando os passos
Renunciando a partida
Revivendo as feridas

Nossos lábios se tocam
As colunas se entortam
Os pensamentos se inundem
As fraquezas sucumbem
Os desejos florescem
Os arranhões aparecem
No calor que incita
No suor que predomina
Olhos que se fecham

No último suspiro
Dois olhos se admiram
O fruto disseminam
Do mais vil ao delírio
De dois corpos firmados
Não mais que encaixados
Em um segurar assíduo
A voar alto
No ar hoje à noite.

sábado, 23 de março de 2013

Um velho soldado

A cor que me subtrai
Já não me atrai
E nem me põe a mesa
Pelas minhas pelejas 
E meus detrimentos
Que são sem fundamentos
E sem os procedimentos
Da doutrina guerrilheira
Que não luta por mim,
A fim, assim, de não mais guerrear.
Já que armas lhe falta
E de braços marcados
Das fardas apertadas
Dos punhos cravejados
E das mãos atadas
Com cabeça fechada
E um choro infantil
O soldado viril
Não contempla da mocidade
Perdeu tempo, se foi a idade
Perdeu tempo, esgotou o pavio.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Entre as veredas

Há certos caminhos que não sigo
Mas essa trilha é tão verde e vasta
Que me faz sentir um tanto de esperança.
Logo, não seria justo me desviar
Outros horizontes, eu trilhar
Caminhos estreitos a andar
Se já achei o caminho certo
Ou pelo menos o que me parece ser.
Então eu insisto em continuar
E durante nossas andanças
Esperando por mudanças
É que surge aquele deserto
Sem sabermos o que dizer
Quando queremos estar perto
E nada podemos fazer
Só nos basta sentar a mesa
E começar a escrever:
Eu nasci para me arriscar
Mas se no final dessa trilha
Um precipício eu encontrar
Eu já saberei o que fazer.
Antes da minha queda
Largarei minhas anotações ao chão
Farei um alento ao meu coração
E do final, estarei a espera
Mas não se engane
Nenhuma gota de sangue cairá
Pois de tanto cair,
O anjo aprendeu a voar.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Amizade de enfeite

O silêncio me habita
E me irrita por bem feito
Procurando por preceito
Para não mais habitar

Inocente no seu lar
Pois acredita ser sincero
Elogios que espero
E abraços a ganhar.

Dou conselho, delibero
O excesso, eu enterro
Se for chorar, eu revogo
Pois eu busco o remorso
De mais tempo aguentar.

Mas sempre aguento no calado
Aquele aperto bem fechado
Sete chaves, um armário
Do que parece, mas não é
Sendo João e não José

Porque há sempre interesse
Na amizade de enfeite
Do desejo resguardar
O comércio prevenido
Mercadorias de menino
Que não sabe mais brincar

Se for fingir, seja decente
Apenas ria na minha frente
Que eu abraço como verdade
Não enxergo nenhuma maldade
Do seu desejo de agradar.

domingo, 17 de março de 2013

Pedaços

     Pedaços, o que faremos com os pedaços, juntaremos tudo e faremos um inteiro? Um inteiro de pedaços iludidos, um inteiro de pedaços desgarrados, mas quando estão juntos são amados, fazendo parte de um conjunto. E é no conjunto que se compõe a obra, delineia-se as fronteiras, corrobora os limites e iniciam-se as provas, os encaixes, as afinidades, como em um quebra-cabeça onde cada peça tem seu devido lugar. Porém, muitos pedaços são esquecidos, deixados de lado, ou muitas vezes, apenas na pena serena de Helena berram para não poderem se encaixar. Pois, eles não conseguem entender a razão, apenas explicada pelo coração, bondoso e fadigado de tanto nadar em um mar escarço de amor, deles terem que com outros pedaços se abraçar. Fazendo, então, Helena pedir "por favor" para em seus lugares se segurar, já que todos precisam se abraçar, e um todo de tudo toldar os pedaços que fazem parte de mim. E eu, quando for inteiro, serei inteiramente seu. E se eu voltar a me despedaçar, apenas espere meus pedaços, mais uma vez, um inteiro se formar.

sábado, 16 de março de 2013

Azeitona

É linda essa Oliveira
Vestida à la rendeira
Nos requintes do quero-mais
Tem muito amor,
Mas tanto faz
Pois ela não passa interesse
Só olha pra mim e disfarça
Arranca uma flor e se flore
Faz carinho e me morde
Acaricia-me com a mão
E se despede.
Um dia, Oliveira
Há de ser escalada
Há de render o fruto
E do seu fruto,
Faço questão de colher.

sexta-feira, 15 de março de 2013

O que eu preciso aprender

Dizem que esqueço o momento
Que me guardo bem guardado
Dois ouvintes, um desejo
Do ciúmes amargurado
Então, disponha-se no intervir
Nas matrizes do seu lar
Inibindo os prepotentes
Do mergulho mergulhar
Da maçaneta não girar
E da chaleira não ferver

E me preocupa você
Que escuta o bom menino
Perspicaz e bem franzino
Não entender a boa prosa
Que detém a boa nova
Mas de novo a enferrujar

O andarilho bem faceiro
Come quieto no escanteio
Um pão amassado e sem recheio
Com sorriso de lado a lado
Observando a cada prato
O que lhe falta e não faz falta

Logo, andarilho e o menino
Seguem em minha direção
Dizem que sou bom homem
E que tenho coração

Porém me guardo bem guardado
Digo que adiantem o passo
E que façam a oração
Pois o dia já vira noite
E há bandido com açoite
Que não age com perdão

Eles teimam em me dizer
Que eu apenas preciso saber
De uma das virtudes da vida:
O preço da condolência
Alcançado com persistência
Uma dádiva, um dever

Eu viro as costas e faço descaso
E o ensinamento fica de lado
Mas o que importa é que foi tentando
Com poucas palavras me dizer
Que há muita coisas nessa vida
Das quais precisamos aprender
Então aprenda hoje comigo
Que eu aprendo com você.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Atrás daquela porta

Em cima da mesa, 
Papel e caneta
Lá no porão, 
O que já não presta
Em cima do fogão, 
O que me interessa
Mas atrás daquela porta,
Estreita e envergada
Eu guardo as cartas não lidas
Porém as mais cobiçadas
Apenas por favorecer a retina
Com palavras ouriçadas
Que me destranca como chave
E eu fechadura
Tocando-me por toda parte
Por tal desventura.
Se quer me desvendar
Primeiro abra essa porta
Leia as cartas certas
E depois vá embora
Não me deixe saber
Que as cartas foram lidas
Porque antes de você,
Houve muitas partidas
E se eu for dormir a pensar
Que você sumirá no horizonte
Eu prefiro não acordar
A ter que ir tão longe

segunda-feira, 11 de março de 2013

Beirando a noite

     Não é falta do que dizer, é apenas a falta de fala, ou de falar o que internamente não digo. Então repito o que disse e falo o que eu não queria dizer. Assim eu invento história, incentivo a prosa, gaguejo palavras, evito o que é prolixo e sabatino a bíblia, para que no final das contas eu possa te dizer: 
- aqui dentro há guardado milhões de palavras desorganizadas, escrita em livros empoeirados que há séculos não foram lidos. E quando eu abro e tento ler para você, eu retrocedo. Arranco passos e logo percebo sua oratória dizendo "não vá embora", fazendo-me assim compadecer. Então, sinto-me apunhalado, expurgado pelos fatos, atingido na virilha, caminhando sem convalescer. Sento-me sob uma pequena árvore, penso tanto que não reflito, respiro o ar que já não sinto, e caio dentro de você.

domingo, 10 de março de 2013

A protagonista - I

São tantos olhares
São tantos medos
Há tantos lugares e dedos
Que apontam e julgam
Bocas que humilham
Gaiolas que prendem
E olhos que insultam

Verdades criadas e compradas
Realidade forçada e fingida
Tingindo o dia de noite
E a noite de dia.

De repente,
O palco está montado
O público está lotado
A iluminação que irradia
Mas a atriz já tardia
Logo ela, a principal
Vinda do plano astral
Protagonizando a peça
O espetáculo sem fim

Ela sente calafrios
E com as mãos suadas
Nervosa,
Não sabe o que vão dizer
Muito menos o que irão pensar
Importa-se tanto com os outros
Que esquece de se encontrar

Mas ela diz que enfrenta
Pois isso não é um problema
Ela não tem frescuras
Rodeada de ataduras
Que cobrem a marca da dor
Já que sofreu demais
E nunca correu atrás
De uma cura encontrar.

Eu respiro

Nós paramos de respirar
Quando não há o que procurar
Entre as vielas retóricas
E filamentos descontínuos
Que hoje estão descalços,
Cansados, porém assíduos
É um caminho que nos conquista
Persuadindo ao sorrir.

Parece desconfortável
Mas é apenas fraqueza
De lágrimas e tristeza
Que se desolam assim

Mas em um jardim desbotado
Onde nasce o broto calado
Que um dia se tornará o jasmim
Eu acho o meu amparo
Aos prelúdios do relicário
Nasce a joia mais rara
Você, guardada em mim

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