quinta-feira, 8 de maio de 2014

#Diário de Klauss - Meu primeiro diário (IV)

    Sabendo disso, foi com aperto no coração que minha mãe alçou a bolsa em mim, entregou-me uma sacola com comida suficiente para a viagem, passou a mão em meu cabelo, com um olhar distante e amargurado. Seu filho de três anos estaria ao cuidado de desconhecidos, mesmo sendo soldados confiáveis e de honra indubitável, a companhia de soldados não era das melhores, eram os que mais sofriam ataques durante a estrada, mais comumente, emboscadas tarde da noite quando paravam para descansar. Mas a viagem era apenas de duas noites, Brosch ficava perto da triangular, então o perigo não era tão eminente.
    Minha mãe me informou que tinha se telecomunicado com meu tio, que ele tinha ficado muito feliz com a notícia. Falou, também, a respeito de meus primos, que tinham poucos anos a mais do que eu, falou sobre o local, da beleza, que era um pouco mais calmo em relação a onde morávamos, uma pequena fazenda, com algumas poucas fazendas ao lado e uma taverna muito frequentada por todo tipo de gente. Advertiu-me, claro, para manter distância da taverna. Contou-me poucas histórias do tempo em que ela vivia lá, das encrencas que tinha que apartar quando trabalhava na taverna, das frutas que ela gostava de colher para preparar uma torta e levar aos seus vizinhos. E rapidamente disse que foi lá, na taverna, que conheceu meu pai, em um dia em que ele estava voltando de uma vigilância. Ela falou rapidamente, como se não quisesse prolongar nesse assunto. E por fim ela disse que não sabia, exatamente, quando voltaríamos a morar juntos, já que depois de Mardora, teria que ir para algumas outras zonas de colheitas, mas que sempre mandaria notícias. Saberia ela depois, que passaríamos dez anos distantes.
    Um soldado bate a porta, fala o nome de minha mãe, esperando que ela confirmasse. Em seguida dá algumas explicações do proceder e informa que estaríamos saindo em poucos minutos. Após ele se retirar, minha mãe olha aos quatros cantos da casa para se certificar que não esqueceu nada, dá o último suspiro, segura minha mão de um lado, a mala do outro e caminhamos pela imensa varanda em direção a um amontoado de gente. Ainda lembro do sol alaranjado se pondo. Aquele frio de tarde, que até hoje me traz lembranças. Apesar de ter apenas três anos, eu sabia da significância do momento, ao menos hoje, entendo ao certo que foi um divisor de águas. Hoje eu paro e penso, se caso nada disso acontecesse, eu não me tornaria o que sou hoje, e sou orgulhoso, a um certo ponto, em detrimento de algumas coisas, do que me tornei. Caso eu continuasse em Brosch, eu seguiria o rumo natural, acabaria cuidando de vaca, ou colhendo arroz. Digo isso, também, por não ter tido um pai que me mostrasse a firmeza no pensamento masculino. Não é uma linha direta, por consequência, é apenas uma dedução. Mas percebendo o rumo que tudo tomou, das vivências que tive, das pessoas que entraram em minha vida desses 3 aos 13 anos, da volatilidade de meus pensamentos, da moldura prostrada, gradativamente, devido a tudo que tive nesse período, muito sensível a qualquer ser humano, fez-me enxergar de maneira, por final, abrupta o despertar do meu eu cristalizado em minha alma. Foram momentos memoráveis, aos quais espero poder passar com precisão, aludindo minha percepção do mundo, desenterrada em forma bruta quando criança, e visando ser perfeita ao passar dos anos.
    Chegamos a dois grupos formados na praça. Em imediato, um soldado chega a minha mãe, troca algumas palavras, olha para mim com um sorriso, como se tivesse querendo ganhar minha confiança, por entender o quão árduo é tal momento para uma criança. Minha mãe diz algumas últimas palavras de despedida, o jovem soldado me pega no colo, eu começo a chorar, mas não como se quisesse chamar atenção, não um choro desesperador, mas um choro de tristeza, apenas. Um choro que minha mãe entendeu, um choro que dizia "vá, eu entendo esse nosso destino, é tudo que podemos fazer, menos o choro controlar". Eu vejo o grupo de minha mãe caminhando, a passos curtos e lentos, se perdendo no horizonte, de tempos em tempos ela se volta e acena para mim. Eu não paro de olhar, como se eu quisesse guardar aquele momento para a eternidade. E foi em um enxugar de lágrimas que tudo se foi, ela partiu e eu fiquei.

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