sábado, 2 de janeiro de 2016

#Diário de Klauss - Meu primeiro diário (V)

     Era, então, um novo começo. É estranho eu falar assim, porque eu era apenas uma criança, não era uma mudança tão significativa no sentido de vivência, pois eu não vivera muito, só tinha 3 anos, e possivelmente só tinha consciência de meses. Claro, todo afastamento de uma criança com sua mãe acarreta em indeterminados problemas em seu âmago. A mãe é a parcela constante na criação de seu filho, não apenas as mães de sangue, mas também a referência que a criança tem em seus primeiros estímulos. Essa ligação pode se dar a indeterminados seres. Mas o que realmente é importante saber é do ponto referencial dessa criança na sociedade, e isso eu chamo de maternidade. Não sou a pessoa certa para falar do lado paterno, ou talvez eu seja, pois sofri as consequências de sua ausência. Conheci meu pai quando eu já era mais velho, e essa experiência não foi nada revitalizadora. Por mais engraçado e controverso que seja, pois no caso foi, literalmente, revitalizador e renovador. Mas não é história para agora.
     Irei partir do princípio que não tive muitos estímulos significativos durante minha viagem para a casa de meu tio. Tudo que lembro, claro, vagamente, assim como tudo que relatei, são palavras soltas e algumas sensações possíveis que tive nesse período de separação. No geral, oi uma viagem tranquila, não tivemos nenhum problema. Passei grande parte da viagem em cima do transporte, enquanto a maioria dos soldados e outras pessoas seguiam a pé, pois entre malas e várias outras crianças, não houve espaço para todos. Eu como qualquer criança de 3 anos não tinha a condição necessária para caminhar em tal viagem, então digo que foi justo esse meu lugar. Tudo que se passava na minha mente naquele momento era a admiração por aqueles soldados. Acredito que isso se passa com todas as crianças, porque eramos ensinados, desde muito novos que todo soldados eram os heróis da nação da Triangular. E toda a criança gosta dessa narrativa de heróis. Ainda mais eu que já sabia naquela época que meu pai fora um dos maiores soldados e comandantes de todos os tempos. Com o passar dos anos não fui entendendo muito bem como isso era possível, pois eu e minha mãe não tínhamos a menor capacidade de viver na capital e muito menos de ter alguns privilégios que o ouro nos traria. Se eu puder relatar uma das, ainda, inconveniências da Triangular, eu diria que é sua base na circulação de ouro como moeda de troca. O ouro sempre foi muito importante para a Triangular, desde que foi usado como matéria prima para diversos artefatos, tais como os equipamentos de guerra; os arsenais em geral; as decorações; na construção de muitos materiais, principalmente no conversor de energia. Por ser o ouro o minério mais requisitado, ele virou uma moeda de troca muito importante. Então, em resumo, pois lembro-me que abordo esse assunto em um dos meus diários, digo que nunca tivemos um posicionamento social privilegiado pela posse do ouro. E se meu pai fora tão importante, onde estaria nossa efêmera, mas ainda sim, riqueza?
     Pois bem, chegamos ao ponto em que eu ganharia meu primeiro diário. Pulei alguns anos, pois estes são tão significativos como de qualquer outra criança. Eu brincava, corria pelo campo, gostava muito de cuidar dos animais. Minha distração era, e continuou sendo por muitos anos ajudar meu tio nos afazeres da fazenda, ainda mais quando se tratava de cuidar das vacas. Sempre tive essa conexão muito forte com os animais. Todos os dias eu voltava cheio de frutas nos bolsos, vivia indo ao fundo da floresta para colher as diversas frutas que tínhamos. Subia em várias árvores, e aproveitava esse momento único de elevação, não a espiritual, mas sim, a elevação superficial que nos deixava cada vez mais perto das nuvens, aqueles algodões que todas as crianças ficam imaginado como seria tocá-las. A vista, em cima daquelas árvores, era privilegiada. A fazenda de meu tio fica perto da entrada de Ratignar Hauss, e quando eu subia em uma das maiores árvores que ficava em cima de um pequeno morro, eu conseguia ver o portão principal da capital. Era a única coisa que eu chegara ver, pois por mais perto que eu morasse, eu nunca tinha adentrado a cidade. E ao olhar do lado oposto, eu conseguia ver a segunda barreira. Ratignar Hauss e os outros dois Impérios, aderiram a ideia de grande Triangular, onde eles acolheriam os pequenos vilarejos aos arredores, assim como relatei sobre Brosch. Mas nunca indo muito longe, pois também relatei sobre isso. Desde aquela época, a Tringular tinha três barreiras: a da capital; a da segunda zona, onde tinha os vilarejos e campos de colheita; e a terceira zona, onde ocorria a extração de grande parte das matérias primas, os recursos mais bruto, como os minérios. Era um zona quase sem civilização, há relatos de alguns moradores, algumas tribos e vilas, mas elas estão lá bem antes dessa pequena expansão da Triangular.
     Aos meus 7 anos, a idade normal de uma criança aprender a escrever e ler o dialeto, ganhei meu primeiro diário. Eu tinha aulas com o Mestre Jô, um senhor que tinha casa feita de livros, por assim dizer. Ele lia bastante, e nos incentivava a escrever e ler com a mesma frequência que ele fazia. Nos seus tempos livres, ele sempre estava no deck de sua casa, sentado em um banquinho bem na ponta do lago, segurando uma vara em uma mão e um copo de vinho na outra. Ele adorava pescar. Ainda lembro-me muito bem do seu chapéu de palha. Era um ser muito humilde, que vivia dizendo "eu só quero uma casa no campo, onde eu possa compor os meu cantos rurais". Dizia ser uma música que ouvira quando era novo, e que o fez se encantar pela viola. Eu nunca ouvira tocá-la. Mas a viola sempre estava lá, pendurada na parede. Dizia-me que esse era o maior valor da vida: a simplicidade. Enquanto, eu desde criança quisera ir a capital, conhecer todas as maravilhas que eu só ouvira falar, Jô me dizia que era apenas uma ilusão momentânea da carne, que de todas expectativas que eu criara iriam me decepcionar. Possivelmente, claro. Pois de nada encontraria quando do fruto do pensamento era minha própria criação. Nada chegará a ser tão bom como sonhar, e se tu sonhas tão profundamente, nunca descerás tao fundo e  nunca alcançarás teu sonho, pois a origem de teu sonho é a água que preenche o vazio de sua alma. A água, ela se molda a cada recipiente em que é colocada, assim como o sonho, a expectativa, ela será utópica, e dessa ilusão, você sofrerá. "Nunca preencha o vazio dentro de ti com ideias que nãos sabes de onde surgem, preencha seu vazio com um peixe pescado no rio, com sua própria varam, determinação e dedicação".
    Então, em meu aniversário de 7 anos, Jô, no término da aula, entrega-me um caderno em branco e diz:
- Eis aqui o seu verdadeiro professor. Você de tudo anotará. Procure relatar cada momento de sua vida, cada pensamento. Escreva o que te aconteceu, qual foi sua impressão. Finja que é uma conversa, uma conversa consigo mesmo. Espero que perceba, assim como eu percebo, que escrever alivia o olhar pesado que temos do mundo. Escrever escarnece todos os males que nos arranham. É, de fato, destrinchar esse emaranhado de concepções que se alojam dentro de nós. Precisamos nos ver diretamente no espelho, e o espelho das palavras reflete todo nosso íntimo, expondo-nos para uma folha de papel. No final,  quando parares para ler, algum tempo depois, verás o quanto você progrediu, ou talvez não. Se por acaso suas atitudes e pensamentos não tiverem mudado, eis aí que surge a sua chance de repensar e se reescrever.

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