terça-feira, 29 de julho de 2014

Carta de Elisabeth

     Ela voltava do trabalho cansada, estabanada, enrolava-se toda tentado achar a chave para abrir a porta em sua bolsa de grife que contêm meio mundo, pois a outra metade ela esqueceu em casa. Antes de entrar em casa, ela se vira, olha a vizinhança como se estivesse procurando algo ou alguém, com um olhar esperançoso, boca entreaberta. O cerrar dos lábios foi a aflição, como se não tivesse sido daquela vez que ele acharia o que procurava, mas teria dias a frente, interminável espera. Último ato é o alisar da franja na emissão de se virar e entrar em casa.
     Tarde da noite, deitada na banheira, pensando em seus problemas, mas são problemas tão pequenos, daqueles que se resolvem por si só que nem valem o esforço. Ao sair do banho, ela prepara algo rápido para comer, uma xícara de café, senta-se a mesa, sozinha, e é só nisso que ela consegue pensar: sozinha. Ela e um jazz kind of blue de fundo, que entristece mais ainda. Sente-se cansada, mas não o suficiente para dormir, mas o bastante para deitar-se ao sofá, ligar a TV para ouvir algo ao mesmo tempo que folheia uma revista. Revista de moda, ela gosta disso. Ver aqueles vestidos de festa, longos, bem encaixados, exuberantes, a faz imergir para um outro mundo, outro lugar, outro momento. Algo mais animado, mais sociável, mais barulhento, barulho de gente que conversa, risos e sorrisos, taças que brindam, com aquela música suave de fundo, o barulho ideal para uma boa noite.
     Quando ela cansa de sonhar, reabita o mundo real, pega o controle, muda o canal, vê o jornal. É sempre importante saber o que está acontecendo lá fora, porque ali dentro nada acontecia. Ela até pensa as vezes em comprar um cachorro para ter alguma distração, algo para reclamar, aquele xixi no lugar errado, aquele sapato mordido, móvel da sala arranhado. Ela pensa demais, talvez esse seja o problema. Pensou tanto que deu sono. E dormiu. No outro dia, assim que acordou, ela resolveu agir, então escreveu essa carta, tentando mostrar o que ela sente falta, tentando mostrar que esse algo é você.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Creative Commons License
Klauss Diary by Gabriel Barbosa is licensed under a Creative Commons Attribution-NoDerivs 3.0 Unported License.